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Oncofertilidade – Preservação da fertilidade em pacientes com câncer

O diagnóstico de câncer é considerado um dos mais sofridos na vida de uma pessoa. Entretanto, se por um lado essa realidade causa pânico ao se pensar no futuro que vem pela frente, a posterior notícia de que os tratamentos para este mal estão cada vez mais eficazes pode trazer algum conforto. Uma das mais importantes considerações ao se determinar qual será o tipo de tratamento a que o paciente será submetido, principalmente para as crianças antes da puberdade, os adolescentes e os homens e mulheres jovens que não têm filhos e ainda os desejam ter, é: qual será o prejuízo da fertilidade após a recuperação?

Com o aumento da detecção precoce da doença, estima-se que, em um futuro próximo, pelo menos um em cada 250 adultos será sobrevivente de tratamentos de câncer, pois a radioterapia e a quimioterapia, em conjunto com cirurgias, podem curar até 90%. Muitas pacientes mulheres se encontram em idade fértil e desejam prole, o que torna a responsabilidade do médico oncologista ainda maior, pois não estar atento a esse detalhe tão importante numa época em que existem mais opções para preservar a fertilidade poderá reservar um futuro muito frustrante para elas. O tratamento do câncer é historicamente focado na erradicação da doença, e muitas vezes não leva em conta a fertilidade da paciente.

O tratamento oncológico pode afetar temporariamente ou ter um efeito devastador na fertilidade, seja pela remoção dos órgãos reprodutivos ou por ação de drogas citotóxicas e radioterapia sobre a função ovariana, levando a falência ovariana, menopausa precoce ou outros problemas relacionados à reprodução. Para os homens, os tratamentos podem levar a danos semelhantes nos testículos, interferindo na produção de espermatozoides e secreção de testosterona. O grau e a persistência desse dano dependem da dose, do local primário de irradiação e da idade da paciente.

Em geral, as gônadas são relativamente resistentes aos efeitos da quimioterapia antes do início da puberdade em ambos os sexos, mas após esse período são muito sensíveis, tanto à quimioterapia como à radioterapia, e mais ainda à medida que envelhecem. Mulheres mais jovens, com menos de 25 anos, podem suportar melhor esses efeitos, porque seus ovários têm uma maior reserva ovariana do que os das mulheres mais velhas. Entretanto, mesmo se sua função reprodutiva permanecer aparentemente intacta após o tratamento (ciclos normais), elas têm um risco de menopausa precoce. Os testículos também são muito sensíveis após a puberdade, havendo prejuízo para a produção de espermatozoides. Apesar de poder ocorrer, a diminuição da produção hormonal e função sexual não costuma ser afetada nos homens.

Quanto à radioterapia, além de possível lesão às gônadas, quando for diretamente no útero também pode causar danos ao tecido endometrial, musculatura lisa e vascularização sanguínea uterina, aumentando o risco de infertilidade, abortos espontâneos e restrições de crescimento em gestações futuras. O diagnóstico do câncer ginecológico ocorre em pacientes cada vez mais jovens e em estados mais precoces. Esses pacientes lidam com uma doença com risco de vida, passam pelo choque, a angústia do diagnóstico e ainda enfrentam a possibilidade da infertilidade permanente, que muitas vezes pesa mais que o próprio risco de vida, o que pode ser observado pela frase comum a muitas pacientes e publicada em uma importante e respeitada revista médica (Quadro 15-1).

Assim, é importante que tanto os médicos que cuidam dessas pacientes como elas próprias conheçam os danos ao sistema reprodutor que podem ser causados pelos tratamentos oncológicos, assim como as opções atuais, potenciais e futuras para a preservação da fertilidade.

“I didn´t cry when I found out I had cancer, I cried when I found out it could affect my fertility.”
“Eu não chorei quando descobri que tinha câncer, eu chorei quando descobri que o tratamento desta doença poderia afetar minha fertilidade.”
American Cancer Society. CA Cancer J Clin. 2006 Sep-Oct;56(5):251-3.

Os tratamentos de câncer podem impactar ou até destruir a capacidade reprodutiva dos pacientes, atrapalhando sua possibilidade de gerar um filho no futuro (Quadros 15-2, 15-3 e 15-4).

A estratégia escolhida para cuidar da fertilidade será influenciada por vários fatores, como:

• tipo, localização e estágio do câncer;
• dose e número de ciclos de quimioterapia;
• quantidade de radioterapia aplicada;
• idade;
• reserva folicular das pacientes;
• estado civil (ou se possui parceiro);
• aceitação de esperma ou óvulos doados;
• desejo de congelar embriões;
• possibilidade de pagar por esses serviços.

Os profissionais da saúde, incluindo o ginecologista geral, devem conhecer as técnicas disponíveis para orientar e conscientizar seus pacientes que serão submetidos a tratamentos oncológicos sobre a importância da preservação da fertilidade e como isso pode ser feito. Pesquisas recentes sugerem que menos de 50% dos doentes oncológicos adultos em idade fértil receberam uma orientação adequada sobre as suas opções de preservação da fertilidade antes de tratamentos contra o câncer, e menos de 35% das mulheres lembram de ter discutido os riscos de infertilidade, e, ainda assim, apenas durante ou após o tratamento. Publicações demonstram ainda que muitos dos oncologistas não informam nem indicam seus pacientes a especialistas para que saibam mais sobre estas técnicas, e poucos conhecem o impacto emocional da infertilidade nos indivíduos.

Muitos pacientes submetidos a tratamentos oncológicos não se lembram de ter sido informados sobre alternativas preventivas para a perda da fertilidade. Na preservação da fertilidade do homem, considera-se que o congelamento de sêmen é um fator emocional positivo na cura das neoplasias, mesmo que no futuro não seja utilizado. Infelizmente, enquanto a maioria das clínicas de oncologia se preocupa muito com os efeitos colaterais imediatos dos agentes alquilantes (quimioterápicos), poucas conhecem sobre as possibilidades e técnicas de preservação da fertilidade.

Assim, o objetivo é ajudar os médicos a identificar pacientes que podem ser bons candidatos para a preservação da fertilidade. Os pacientes devem ser orientados sobre os riscos e benefícios de cada uma das técnicas e entender qual a que melhor se adapta a cada situação. Na mulher, a criopreservação do tecido ovariano pode ser uma alternativa adequada para pacientes que não conseguem escolher a melhor opção para preservar a fertilidade ou nos casos em que não podem ser submetidas à estimulação dos ovários. Ao discutir alternativas, tais como a criopreservação ovariana e as limitações dos resultados, não se deve dar falsas esperanças sobre o futuro sucesso do método. Os pacientes devem estar cientes das opções já estabelecidas e das ainda experimentais, para que possam escolher o método que tem os riscos e benefícios que melhor se adaptem às suas necessidades médicas e de valores pessoais.

Tanto a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) quanto a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) publicaram recentemente diretrizes para descrever as circunstâncias em que a preservação da fertilidade deve ser discutida e para quais pacientes os métodos experimentais, como a criopreservação de ovário, podem ser adequados.

O que é oncofertilidade?

Oncofertilidade é a uma nova área médica que une uma equipe multidisciplinar com as especialidades de oncologia e reprodução humana, urologia, cirurgia videolaparoscópica, psicologia e genética, com o propósito de maximizar o potencial reprodutivo futuro de pacientes que vão se tratar do câncer e aqueles que já se curaram desse mal. Baseado na eficácia dos métodos de preservação da fertilidade, criou-se um movimento mundial para que os recursos dessa preservação estejam disponíveis para os pacientes com câncer: a ONCOFERTILIDADE. Como as técnicas de preservação da fertilidade evoluem rapidamente, é fundamental avaliar as diretrizes atuais, a fim de oferecer mais opções adequadas especificamente a cada caso e sua relação risco-benefício, além de considerar os valores morais do paciente.

Em 1971, nos Estados Unidos, a Lei Nacional do Câncer foi assinada, dando fundos para que o então recém-criado Instituto Nacional do Câncer (NCI) coordenasse a investigação e os novos avanços médicos a detectar, diagnosticar e tratar o câncer.

Felizmente, existem múltiplas opções de tratamentos para maximizar o potencial de fertilidade futuro. Uma consulta com um médico especialista em reprodução humana deve ser agendada logo após o diagnóstico do câncer, antes de submeter-se à quimioterapia ou radioterapia. Estes procedimentos são realizados para, posteriormente, após a cura da doença, obter-se a gravidez. Não existe um tempo limite para o material permanecer congelado, portanto, pode-se aguardar até todo o tratamento oncológico ser realizado.

QUADRO 15-2. RISCO DE INFERTILIDADE APÓS TRATAMENTO DE TUMORES COMUNS NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA


*Wallace WH, et al. Lancet Oncol. 2005 Apr;6(4):209-18.
QUADRO 15-3. RISCO DE COMPROMETIMENTO DA FERTILIDADE DO HOMEM E DA MULHER PELOS DIFERENTES AGENTES CITOTÓXICOS

*Wallace WH, et al. Lancet Oncol. 2005 Apr;6(4):209-18.

QUADRO 15-3. RISCO DE COMPROMETIMENTO DA FERTILIDADE DO HOMEM E DA MULHER PELOS DIFERENTES AGENTES CITOTÓXICOS

*Meirow D, Dor J. Epidemiology and Infertility in Cancer Patients. In:Tulandi T, Gosden LG. Preservation of Fertility, 2004. pp. 21-38.

QUADRO 15-5. RISCO DE AMENORREIA APÓS DIFERENTES ESQUEMAS DE TRATAMENTO ONCOLÓGICO

Legenda:

  • CMF: Ciclofosfamide, Metotrexato, Fluoracil (5-FU);
  • FEC: Fluoracil (5-FU), Epirubicina, Ciclofosfamida;
  • CAF: Ciclofosfamida, Adriamicina, Fluoracil (5-FU);
  • MOPP: Mecloretamina, Oncovin (Vincristina), Procarbazina, Preidnisona;
  • MVPP; COPP: Ciclofosfamida, Oncovin (Vincristina), Procarbazina, Preidnisona;
  • ChIVPP: Cloranbucil, Oncovin (Vincristina),, Procarbazina, Prednisona;
  • ChIVPP/EVA: Cloranbucil, Oncovin (Vincristina), Procarbazina, Prednisona, Etoposida, Vimblastina, Adriamicina (Doxorubicina);
  • BEACOPP: Bleomicina, Etoposida, Adriamicina, Ciclofosfamida, Oncovin, Procarbazina, Prednisona;
  • MOPP/ABVD: Mecloretamina, Oncovin (Vincristina), Procarbazina, Preidnisona/Adriamicina, Bleomicina, Vimblastina, Dacarbazina;
  • COPP/ABVD: Ciclofosfamida, Oncovin (Vincristina), Procarbazina, Preidnisona/Adriamicina, Bleomicina, Vimblastina, Dacarbazina;
  • CHOP: Ciclofosfamida, Hidroxidoxorubicina, Oncovin (Vincristina), Prednisona;
  • COP: Ciclofosfamida, Oncovin, Prednisona;
  • OEPA: Oncovin (Vincristina); Etoposida, Prednisona, Adriamicina
  • NOVP: Mitoxantrone, Oncovin (Vincristina), Vinblastina e Prednisona

Preservação da fertilidade no homem

Os tipos de câncer mais comum no sexo masculino em idade reprodutiva são o de testículo, o linfoma de Hodgkin e as leucemias. Nos últimos anos, devido a novos métodos de tratamento tem-se observado taxas de sobrevida e de cura cada vez mais significativas. Entretanto, esses tratamentos com frequência resultam em infertilidade temporária ou esterilidade permanente (aproximadamente 1/3 destes pacientes se tornarão azoospérmicos definitivos). A preocupação imediata destes pacientes, depois de curados de um câncer, na maioria das vezes envolve o aspecto sexual e reprodutivo. Desta forma, o médico que os assiste tem o dever de levar em consideração esses aspectos e, portanto, informar e conscientizar esses homens das possíveis maneiras de criopreservar espermatozoides e tecido germinativo.

A preservação da fertilidade no sexo masculino é mais fácil do que na mulher. Após a puberdade, a coleta de espermatozoides pode ser realizada por masturbação, o que é simples e não invasivo. Mas, se não for possível obtê-los dessa maneira, poderão ser retirados diretamente dos testículos, de um modo menos invasivo do que na mulher, uma vez que a sua localização anatômica é externa ao corpo. Antes da puberdade, a preservação só é possível pela criopreservação de fragmentos dos testículos.

1- Criopreservação de espermatozoides

É um processo realizado com técnicas bem definidas e resultados confiáveis. O sêmen deverá ser coletado através da masturbação, preferencialmente em várias amostras. Será congelado a -196 oC e armazenado por tempo indeterminado, podendo ser descongelado e utilizado no momento adequado. Muitas amostras de sêmen podem ser colhidas e congeladas em um período de poucos dias, sendo o método mais eleito para a preservação da fertilidade em homens. Adolescentes já podem ter maturidade física e emocional para entender o problema e fornecer amostras de sêmen.

2- Criopreservação de tecido testicular

Embora o congelamento do sêmen seja uma opção simples e de fácil execução, o congelamento do tecido testicular pode oferecer uma opção em longo prazo, principalmente nos casos de alguns tumores que prejudicam a qualidade do sêmen. É ainda uma técnica experimental, mas pode em alguns casos ser a única opção, principalmente para crianças que ainda não entraram na puberdade. Espera-se que, no futuro, com o avanço das pesquisas para o uso de células-tronco, a técnica de congelamento testicular possa ser uma alternativa ainda mais interessante.

3- Aspiração testicular de esperma com agulha fina ou extração de esperma por pequena cirurgia (microTESE)

Retiram-se espermatozoides diretamente dos testículos (TESA) ou do epidídimo (PESA) para serem congelados e usados no futuro. Esse procedimento apenas é necessário quando não se consegue espermatozoides pelo material ejaculado.

4- Criopreservação de embriões

Indicada para homens que têm uma vida conjugal estável. Está descrita com detalhes no item “Preservação da fertilidade na mulher”.

Perguntas que deverão ser respondidas pelo médico ao paciente, seus pais ou responsáveis (caso seja menor de idade) antes do início do tratamento oncológico:

1. O tratamento afetará a fertilidade do homem ou do menino? Se a resposta for “sim”, qual a melhor técnica para preservar a fertilidade? Qual a opção mais indicada para este caso?
2. Essas opções para preservar a fertilidade irão prejudicar o tratamento contra o câncer?
3. Escolhendo uma dessas opções, haverá necessidade de postergar o tratamento contra o câncer? Por quanto tempo? 4. Como e quando o paciente poderá saber se é fértil ou não, após o término do tratamento? Existem testes para isso?
5. Se a fertilidade não for preservada, existem alternativas para que ele possa ter filhos futuramente?
6. Esses tratamentos podem aumentar os riscos de o câncer voltar?
7. Se for realizado o congelamento do sêmen ou tecido testicular, existe uma data limite para estes serem utilizados?
8. Haverá mudanças do desejo sexual?
9. Haverá riscos para a criança quando ele tiver seus filhos?
10. Quais são as clínicas especializadas que podem indicar os melhores métodos para preservar a fertilidade?
11. Onde posso encontrar mais informações sobre preservação da fertilidade?

Preservação da fertilidade na mulher

As meninas nascem com um número limitado de óvulos. A quantidade de óvulos diminui gradativamente a partir da primeira menstruação até chegar a menopausa, quando já não existem mais óvulos disponíveis para serem fertilizados. A radioterapia e a quimioterapia tendem a acelerar ainda mais essa perda da capacidade reprodutiva, mas as novas técnicas têm proporcionado esperança para preservar ou recuperar a fertilidade em meninas e mulheres que são submetidas a tratamentos de câncer. Entre elas, estão o congelamento de embriões, de tecido ovariano e de óvulos, o tratamento medicamentoso e a transposição dos ovários em caso de radioterapia. São muitas as mulheres com tumores que procuram a preservação da fertilidade (Quadro 15-6).

QUADRO 15-6. OS TUMORES MAIS FREQUENTES NAS MULHERES QUE PROCURAM A PRESERVAÇÃO DA FERTILIDADE

* Dolmans MM, Van Lagendonckt A. Cryopreservation and transplantation of isolated follicles.In: Donnez J, Kim SS. eds. Principles and pratice of fertility preservation, 2011. pp. 305-9.

1- Criopreservação de embriões

Para a criopreservação dos embriões, o ovário é estimulado com hormônios, os óvulos são retirados e posteriormente fertilizados em laboratório, de forma idêntica a um ciclo de fertilização in vitro usual. Formam-se então os pré-embriões, que serão vitrificados em nitrogênio líquido a -196ºC, permanecendo assim por tempo indeterminado. É considerada uma boa técnica por ser eficaz e proporcionar taxas de gravidez que chegam a cerca de 60% em mulheres jovens, mas é restrita a pacientes que não necessitam de um tratamento oncológico imediato (pois esse processo leva de 2 a 6 semanas para ser concluído) e a casos de tumores que não são afetados por hormônios e, além disso, a mulher já deve estar com o parceiro com o qual pretende formar uma família.

Outras preocupações são o fato de os embriões serem legalmente e eticamente considerados seres vivos e, por isso, só poderem ser descartados após cinco anos, com o consentimento do casal (Resolução CFM 2013/2013), e o fato de que, no caso de desinteresse por um dos membros do casal em manter os embriões congelados ou o desejo de não utilizá-los para futura gestação, eles não poderão ser exigidos pelo outro, o que pode levar, muitas vezes, a conflitos judiciais. A criopreservação de oócitos e tecido ovariano não tem esse compromisso, portanto, apesar de a criopreservação de embriões apresentar excelentes resultados, deve-se discutir com a paciente ou o casal as implicações legais e éticas envolvidas nesse outro método.

2- Criopreservação de oócitos

O primeiro caso de gravidez com óvulos congelados foi descrito por Chen em 1986, mas o procedimento foi aprimorado por Porcu em 1997, usando a técnica de congelamento lento. Posteriormente, Kuwayama, em 2005, incrementou-a com o método de vitrificação, que ainda foi adaptado por G.D. Smith. Para a criopreservação de oócitos também é necessário estímulo hormonal para crescimento dos folículos e maturação dos óvulos e a retirada por punção guiada por ultrassom transvaginal, como num ciclo de FIV. Entretanto, os oócitos coletados não são fertilizados, mas submetidos à vitrificação para, no futuro, no momento adequado, serem então fertilizados com os espermatozoides do parceiro. Assim como na criopreservação de embriões, uma condição para que isso seja possível é a menina já ter tido a menarca. Caso contrário, os ovários não irão responder ao estímulo e não haverá óvulos para serem coletados. Esse processo leva de 2 a 6 semanas para ser concluído.

Os óvulos então são mergulhados em uma solução crioprotetora e imersos em nitrogênio líquido. É uma técnica muito importante por oferecer bons resultados de gravidez futura. Tem como vantagem, em relação ao congelamento de embriões, o fato de serem células, e, por isso, se não forem mais desejados, poderão ser descartados. Além disso, os óvulos pertencem à mulher, evitando assim batalhas judiciais em casos de separação ou falecimento do companheiro. A taxa de gravidez está ao redor de 40%, podendo alcançar 50%, dependendo da idade e do número de óvulos captados.

Quanto à técnica, se o tumor que a paciente tem necessitar de quimioterapia e puder esperar de três a cinco semanas para o início do tratamento oncológico, receberá medicamentos para a estimulação ovariana para que haja um número maior de óvulos a serem vitrificados, garantindo melhores resultados no futuro. O tipo de medicação vai depender de o tumor ser sensível ou não ao hormônio estrogênio, que poderá se elevar nesse tipo de tratamento e contribuir para a evolução da doença. Entretanto, é importante saber que para esses casos existem estratégias adequadas, que encurtam o período de indução da ovulação e a exposição do tumor a esse hormônio, além da associação de medicamentos que bloqueiam os receptores de estrógeno, como tamoxifen, ou diminuem a produção de estrogênio, como inibidores de aromatase. Mas, se a paciente não puder receber os hormônios convencionais, poderão ser utilizadas outras alternativas que geram um número menor de óvulos, ou até um ciclo natural sem remédios.
Em alguns casos específicos, os óvulos podem ser coletados ainda imaturos e depois maturados no laboratório por uma técnica especial (IVM – in vitro maturation ou maturação in vitro), para posteriormente serem congelados. Dessa maneira diminui-se ainda mais o tempo de exposição ao estrogênio.

Em relação à estimulação, ressaltamos alguns grupos que exigem protocolos especiais, como pacientes perimenarca, com câncer de mama e aquelas que não podem esperar muito tempo para iniciar a quimioterapia.

Meninas perimenarca

Meninas adolescentes, nos primeiros meses após terem iniciado os ciclos menstruais, necessitam de uma estimulação ovariana diferenciada. Isso porque, nessa fase da vida, o eixo hipotálamo-hipofisário ainda está imaturo, com deficiência na secreção de LH, devendo, portanto, ser tratado como um caso de hipogonadismo hipogonadotrófico. Assim, a estimulação deverá ser realizada com gonadotrofinas que contenham LH, como o hMG (Menopur), ou associando LH recombinante (luveris) ao FSH recombinante (GonaL ou Puregon). Como são pacientes de risco de hiper-resposta, deve-se usar uma dose baixa (75 UI/dia). Para a maturação folicular final, é preciso utilizar sempre o hCG (Ovidrel ou Choriomon), pois, diferentemente das mulheres adultas, não há uma resposta adequada com uso de análogo do GnRH (Gonapeptyl ou Lupron), uma vez que a hipófise pode não responder corretamente. A dose recomendada de hCG deve ser 1/4 da ampola de Ovidrel ou utilizar 1.000/1.500 UI de Choriomon, para evitar a Síndrome da Hiperestimulação Ovariana (Quadro 15-7).

QUADRO 15-7. ESTIMULAÇÃO OVARIANA PARA MENINAS PERIMENARCA

Pacientes com câncer de mama

A discussão sobre a preservação da fertilidade da paciente com neoplasia hormônio-dependente é controversa, pois não é uma questão clara e as opiniões são conflitantes. O câncer de mama é um modelo clássico de um tumor maligno hormônio-dependente. Alguns especialistas acreditam que às mulheres com câncer de mama não deva ser oferecida a criopreservação de oócitos ou de embriões antes da quimioterapia, uma vez que os fármacos utilizados para a indução da ovulação aumentam os níveis de estradiol e progesterona acima do normal (suprafisiológico). Dessa forma, surgem preocupações se isso poderia estimular o crescimento das células neoplásicas. Embora o recrutamento de oócitos e embriões para criopreservação possa ser realizado em ciclos naturais, a quantidade é muito baixa. Moduladores seletivos dos receptores de estrogênio (como o Tamoxifeno) e inibidores de aromatase (como o Letrozole), para compensar a breve hiperestrogenemia resultante da indução da ovulação, são uma boa opção. Portanto, para pacientes com doenças malignas hormônio-dependentes, o especialista em reprodução humana deve trabalhar em colaboração com o médico oncologista para que o breve período com níveis elevados de estradiol não cause aumento do tumor ou outros danos (Quadro 15-8 e 15-9).

Enquanto o debate sobre o uso de terapia de indução da ovulação em pacientes com câncer de mama evolui, a opção para criopreservação de tecido ovariano permanece e pode ser considerada uma opção para essas pacientes, pois proporciona a oportunidade de fertilidade futura, sem os riscos potenciais de um ambiente hormonal sérico elevado e possibilidade de agravar o quadro oncológico existente. Em alguns casos específicos, os óvulos também podem ser coletados ainda imaturos e depois maturados no laboratório por uma técnica especial chamada maturação in vitro, para posteriormente serem congelados. Dessa maneira diminui-se ainda mais o tempo de exposição ao estrogênio.
Outro ponto importante na preservação da fertilidade em pacientes com câncer de mama é que mulheres com a mutação do gene BRCA1 (e menos frequentemente com BRCA2) apresentam uma maior taxa de baixa resposta à estimulação ovariana associada a uma diminuição da reserva ovariana, quando comparadas a outras sem essa mutação. Uma explicação para isso é que os genes BRCA1 e BRCA2 fazem parte do arsenal celular de reparo ao DNA. Quando há mutação do BRCA, pode haver deficiência nos mecanismos de reparo do DNA. Assim, os oócitos estão sujeitos a danos do DNA que se acumulam ao longo dos anos até que levam à morte celular. Dessa forma, os oócitos com mutação do BRCA podem ser precocemente eliminados, resultando em depleção prematura da reserva ovariana e, como consequência, insuficiência ovariana precoce. Deve-se ressaltar que nem sempre a mutação do BRCA1 gera baixa resposta, mas somente indicando uma suscetibilidade que, juntamente com outros fatores, pode levar a uma falência ovariana prematura. Assim, é importante estar alerta e avaliar bem a reserva ovariana dessas pacientes antes de decidir o protocolo e a dose de estimulação.

• Protocolo com Letrozole

O Letrozole (5 mg/dia) é iniciado no segundo ou terceiro dia do ciclo menstrual e mantido até o final da estimulação. Dois dias após seu início, adicionam-se injeções diárias de FSH (150-300 UI/dia). Quando o maior folículo atinge 14 mm, adiciona-se o antagonista do GnRH diário. Quando os maiores folículos atingem mais de 19mm, realiza-se o gatilho final da maturação com um agonista do GnRH (Lupron ou Gonapeptyl), que, nesse caso, substitui o hCG. Após a coleta dos óvulos, o Letrozole é reiniciado para diminuir rapidamente o nível do estradiol (Quadro 15-8).

QUADRO 15-8. PROTOCOLO DE ESTIMULAÇÃO OVARIANA COM LETROZOLE EM PACIENTES COM CÂNCER DE MAMA

• Protocolo com Tamoxifeno

O Tamoxifeno (60 mg/dia) é iniciado no segundo ou terceiro dia do ciclo menstrual e mantido até o final da estimulação. Dois dias após seu início, adicionam-se injeções diárias de FSH (150-300 UI/dia). Quando o maior folículo atinge 14 mm, adiciona-se o antagonista do GnRH diário. Quando os maiores folículos atingem mais de 19 mm, realiza-se o gatilho final da maturação com um agonista do GnRH (Lupron ou Gonapeptyl), que, nesse caso, substitui o hCG. Após a coleta dos óvulos, o Tamoxifeno é reiniciado para diminuir o nível do estradiol. Após a coleta dos óvulos, o tamoxifeno é reiniciado para diminuir o nível do estradiol (Quadro 15-9).

QUADRO 15-9. PROTOCOLO DE ESTIMULAÇÃO OVARIANA COM TAMOXIFENO EM PACIENTES COM CÂNCER DE MAMA

  • Protocolo de urgência para recuperação dos oócitos na fase lútea

Embora o ideal seja começar a estimulação ovariana no início do ciclo menstrual, nem sempre isso é possível, pois em alguns casos não há tempo disponível para aguardar a menstruação, uma vez que o tratamento oncológico deve ser iniciado em poucos dias. Assim, pode-se começar a estimulação em qualquer fase do ciclo, segundo o seguinte protocolo (Quadro 15-10):
Inicia-se com uma ampola do antagonista do GnRH ao dia, independentemente do dia do ciclo. No quarto dia de uso, associa-se a gonadotrofina. Quando os folículos atingirem o tamanho adequado para o trigger final, utiliza-se agonista do GnRh, para se evitar a Síndrome da Hiperestimulação Ovariana.

QUADRO 15-10. PROTOCOLO DE ESTIMULAÇÃO OVARIANA DE EMERGÊNCIA

3- Criopreservação de fragmentos de ovário

Na criopreservação de tecido ovariano, remove-se cirurgicamente, por videolaparoscopia, fragmentos da camada cortical do ovário (camada externa do ovário), que contém os folículos primordiais. Esse tecido é congelado, permanecendo assim até o momento adequado para ser reimplantado, o que pode ser feito na regiões: pélvica (tópico), como no leito peritoneal, ligamento infundíbulo, sobre o outro ovário ou perto das trompas; ou extra-pélvica (heterotópico), como parede abdominal ou membro superior (Figura 15-1). É possível realizar vários reimplantes (seis a oito fragmentos por vez). Não existe um período predeterminado de retorno da função ovariana após o reimplante, mas considera-se que após 20 semanas os sintomas de menopausa desaparecem, os folículos começam a ser visíveis, diminuem os níveis de FSH/LH e retornam as menstruações. Depois disso, o ovário tem função normal por até três anos, mas o tempo de duração dos transplantes é limitado (de seis meses a sete anos).

FIGURA 15-1. IMPLANTE DE FRAGMENTOS DE OVÁRIOS CRIOPRESERVADOS

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